sexta-feira, 3 de outubro de 2008

D. Mariquita

o dia amanheceu ainda escuro, antes mesmo de amanhecer pro resto das pessoas. mas já era hora de me levantar. eu tinha um compromisso importantíssimo. e mesmo saindo da cama quente e aconchegante às cinco da manhã, eu estava imensamente feliz.
pelo caminho o meu coração nas mãos. já havia saído pela boca tanto pela emoção de ver você denovo quanto pela adrenalina das curvas e ultrapassagens perigosas de um motorista mau-humorado e sem educação.

cheguei!
ela estava linda, como sempre.
estava com roupa larga, descombinada. dessas de ficar em casa.
mas mesmo descombinada ela estava linda.
a graça do sorriso e das sobrancelhas tortas que mesmo no rosto enrrugado mostram a sua feição tão familiar.
mais gordinha, mais parecida com o corpo que tiha quando ainda esbarrava a barriga no fogão da cozinha lá de casa.
linda!
como pode ser tão charmosa, tão alegre mesmo com essas sobrancelhas tortas de espanto e tristeza?
como pode ser tão linda beirando aos 81 anos?

ai, como eu te amo! como eu sinto a sua falta...

conversamos, rimos.
ela me contou mais uma vez histórias da sua juventude.
coisas da sua paixão.
ela sente falta dele até hoje, do mesmo jeito que eu sei que vou sentir de você pra sempre.
ela disse que tinha tanta coisa pra me contar...
e eu queria ter mais tempo pra ouvir tudo o que ela quisesse falar, reponder tudo o que ela quisesse perguntar.

tão pequenininha...
acho que eu estou ficando alta demais.
ela agora encosta a cabeça um pouco acima da minha cintura.
e sai pela casa me mostrando pra todos. como se eu fosse um troféu dela.
e ela nem sabe que ela é que é meu troféu. meu tesouro!
sai dividindo o pouco do carinho que eu levo pra ela com todo mundo.
e conta as histórias de cada um daquela casa.

as coisinhas dela, assim, do mesmo jeito que era lá em casa.
o terço que ela reza todos os dias pendurado na cama. os santinhos de papel que ela adora lá guardadinhos.
as roupinhas dela lá todas meio bagunçadinhas, meio emboladas do jeito dela.
as mãos gordinhas, macias. as mãos tão parecidas com as minhas.
os olhos tristes, o óculos torto.
um radinho, um jornal.
e ela lá, toda cheia de histórias, de peguntas.
quer saber de todo mundo. quer que eu seja doutora.

e graças àquele grosso, sem educação do motorista eu tenho que entrar no carro e deixar ela lá.
ela fica no portão dando tchau pra mim.
com aquela sobrancelha torta, aquele solhos tristes.
e eu volto pra casa com o coração nem sei onde.
acho que ficou por lá. pra ela cuidar dele com aquelas mãos gordinhas.

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